Tender (2020)

Cena do filme Tender. Na esquerda temos Kiara (Farelle Walker), uma mulher negra de cabelo cacheado. Ao seu lado está Lulu (Trishauna Clarke), outra mulher negra de cabelo cacheado. Elas estão se olhando e deitadas em uma cama.

Um filme feito por mulheres e para mulheres

Ludmila Henrique

Em Irmãs do Inhame (1993), bell hooks introduz seu livro aos leitores com a seguinte frase: “Irmãs, eu as saúdo no amor e na paz”. Da mesma maneira que a autora apresentou seu manuscrito, celebrando o carinho e a união entre mulheres negras, o curta-metragem Tender (2020), dirigido pela cineasta Felicia Pride, também mostra, em poucos minutos de tela, a importância e a força desse mesmo movimento.

Em Tender, acompanhamos o dia após o primeiro momento íntimo entre duas mulheres. Sem apresentar detalhes iniciais, como o nome das personagens e a maneira que elas terminaram juntas na noite anterior, a história se constrói por meio de diálogos, mas principalmente pela maneira de agir e nos pequenos gestos que uma dirige à outra.  

Kiana (Farelle Walker) carrega um pressão interna, porém evidente. Uma preocupação desesperada, advinda de muitas camadas e até um tanto questionadora. Não se sabe a real motivação para esse sentimento, deixando o público livre para tirar suas próprias conclusões, mas todos parecem estar associados à moça que está no quarto ao lado – esperando que ela saia.

Cena do filme Tender. Na esquerda temos Kiara (Farelle Walker), uma mulher negra de cabelo cacheado. Ao seu lado está Lulu (Trishauna Clarke), outra mulher negra de cabelo cacheado. Elas estão se olhando e de mãos dadas.

O curta-metragem foi exibido durante o Seattle Black Film Festival (Foto: HONEY CHILE)

Conforme a narrativa vai ganhando forma, descobrimos mais sobre a trajetória das protagonistas. Kiana desistiu do seu sonho como escritora para seguir uma carreira diferente, acreditando que sua aspiração não poderia sustentá-la. Lulu (Trishauna Clarke) também renunciou ao desejo de ser atriz, por dizerem que ela não era boa nisso  – e ela acreditou.

Isso é conhecido como a armadilha dos vinte e poucos anos, a confirmação social que diz: “Se você não sabe o seu futuro desde cedo, você está atrasada na vida”. Essa apreensão está presente na vivência de muitas pessoas; no entanto, quando se é uma mulher negra, a inquietação é ainda maior. Sempre disseram que mulheres negras não têm tempo para seguir um sonho, que precisam estar disponíveis para os outros, seguindo o caminho mais seguro para sua sobrevivência. Por isso, encontrar alguém que incentive sua jornada é algo tanto raro.

Cena dos bastidores do filme Tender. Na imagem temos Felicia Pride, diretora do curta-metragem, uma mulher negra, cabelo raspado e vestindo uma regata preta. Ao seu lado está sua assistente de gravação, uma mulher negra de cabelo cacheado.

Felicia Pride trabalha como roteirista no seriado Grey’s Anatomy (Foto: HONEY CHILE)

O curta-metragem é sobre mulheres e foi produzido por uma equipe feminina. Felicia Pride, diretora e roteirista da obra, comenta em seu site que a trama parte de uma experiência pessoal e das vivências de suas amigas, que passaram por situações semelhantes às das protagonistas. Ela retoma o valor da união entre mulheres – especialmente mulheres pretas – que compartilham vulnerabilidades e desejos em comum, além da relevância de contar essa história através do olhar de uma delas.

A ambientação é marcada pelo aconchego, assim como o nome da obra. Embora seja gravado em um único cenário, é perceptível que aquela casa pertence a Lulu, por disfrutar de elementos que combinam com o seu senso de liberdade. O figurino, feito por Ciara Whaley, também revela detalhes da personalidade de cada uma. Kiana, por ter um caráter mais retraído, usa tons mais neutros, enquanto Lulu apresenta um estilo mais despojado e colorido.

É interessante observar esse contraste em tela, pois é algo tão evidente e conversa diretamente com o sentimento que uma nutre pela outra naquele momento, após terem passado a última noite juntas. A química entre elas é bonita por isso. Kiana está claramente com medo do que isso pode significar em sua vida – pessoal e profissional – e Lulu compreende completamente esse temor. Ela está ali por Kiana, oferecendo todo o apoio necessário.

Cena do filme Tender. Na direita temos Kiara (Farelle Walker), uma mulher negra de cabelo cacheado. Ao seu lado está Lulu (Trishauna Clarke), outra mulher negra de cabelo cacheado. Elas estão sentadas em um sofá e rindo.

O curta-metragem está disponível para assistir pelo YouTube (Foto: HONEY CHILE)

A cena na qual Kiana assume que ninguém tinha visto sua cicatriz anteriormente abre espaço para muitas interpretações. Ela de fato possui uma cicatriz física, mas também guarda uma marca emocional, e mostrá-la a alguém simboliza um processo de auto-recuperação da personagem. Assim como bell hooks afirma em seu livro: “A autorrecuperação de mulheres negras, como toda autorrecuperação negra, é uma expressão de uma prática política libertária”. Tender não é apenas um romance sáfico protagonizado por mulheres pretas. É uma história simples em sua composição – verdade! –, mas igualmente repleta de entrelinhas, que ganham força através do amor e do vínculo entre duas almas.

Ficha Técnica:

Nome: tender (2020)

Gênero: Romance, Queer

Duração: 15 minutos

Distribuidora: Honey Chile

Produção: Regina Hoyles, Felicia Pride

Direção: Felicia Pride

Onde Assistir: YouTube