O Dia que te Conheci (2023)
Vencedor do Prêmio Especial do Júri e de Melhor Atriz no Festival do Rio 2023
Ludmila Henrique
Se eu te contasse que uma das histórias mais verdadeiras e genuínas sobre o amor começou ao som de “SOLTO”, dos rappers Djonga, Hot e Coyote Beatz, você provavelmente não acreditaria. Mas foi exatamente dessa forma que O Dia que te conheci (2023) chegou às telas do cinema. Dirigido por André Novais Oliveira, o longa-metragem apresenta outra proposta para o trecho “Um milhão de traumas criamos juntos”, mostrando a importância de ter alguém com quem compartilhar as dificuldades que permeiam o cotidiano.
O filme acompanha um frame na vida de Zeca (Renato Novaes), bibliotecário morador de Belo Horizonte, que atravessa todos os dias o centro da cidade para chegar ao seu local de trabalho. Com dificuldades para acordar cedo, o protagonista acumula uma série de atrasos em sua rotina, que acabam resultando na demissão do seu atual emprego. No entanto, naquele mesmo dia, ele conhece Luísa (Grace Passô), secretária da escola responsável por lhe entregar essa trágica notícia. Mesmo sem ser sua intenção, Luísa torna-se um feixe de luz em meio ao turbilhão de acontecimentos que pairam sobre a jornada de Zeca.
O filme está disponível para assistir na plataforma de streaming Globoplay (Foto: Reprodução/ Malute Filmes)
Sendo um longa que fala muito sobre cidades, o cenário urbano mineiro torna-se palco do encontro entre esses dois indivíduos. A fotografia de Ronaldo Dimer dialoga principalmente com o ordinário, na simplicidade do dia a dia. Murais, bares e avenidas ganham sua própria beleza - detalhes despercebidos que estão sempre ali, mas que geralmente não são valorizados. Em soma, a direção de arte de Esther AZ, também reforça essa realidade. Os cenários não parecem ter sido planejados, no melhor sentido, parece que a equipe sutilmente entrou no quarto de alguém e começaram a gravar aquela história. Algo muito real e verdadeiro, capaz de gerar identificação com a rotina do telespectador.
Não apenas em panorama, mas os personagens também carregam essa veracidade em suas personalidades. Ambos não têm medo de serem falhos e de assumir isso; não tentam ser nada além de quem realmente são. Zeca é uma figura sensível e humana, e, ao longo da narrativa, compreendemos melhor a desordem de sua vida. Em contrapartida, Luísa é uma mulher direta, sem papas na língua e que, embora também enfrente suas dificuldades, não permite que elas transpareçam ou as consumam por completo.
Os dois se complementam dessa forma. Ela representa motivação e mudança na vida de Zeca, enquanto ele simboliza um tipo de conforto para Luísa, que descobre que é possível desabafar e chorar sem sentir culpa ou ser julgada por isso. O ditado que “mulheres negras precisam ser fortes o tempo todo para serem respeitadas” se rompe naquele momento, quando ela abandona todas as amarras sociais e abraça seu lado humano.
O filme é realizado pelos mesmos produtores de Marte Um (2022) [Foto: Reprodução / Malute Filmes]
A trama além de trazer protagonistas fora do “padrão” e mostrar a importância de destacar corpos pretos e gordos em tela, também aborda temas como a saúde mental de pessoas negras – um trauma racial que adoece o ser de forma lenta e contínua – e o crescente debate sobre mobilidade urbana pela comunidade trabalhadora, que muitas vezes precisa se deslocar para outra cidade e pegar até três transportes públicos para chegar ao local de trabalho. Esses assuntos aparecem no roteiro por meio de desabafos entre os dois, um cansaço físico e mental compartilhado pelos personagens.
Assim como em qualquer filme de protagonismo negro, a musicalidade não pode ficar de fora. A obra compõe, em sua trilha sonora, grandes artistas da música brasileira e internacional, como Luedji Luna, Djonga e FBC – o rapper de Belo Horizonte, cidade onde ocorreram as gravações, faz uma breve participação no filme, além de sua faixa “Se Tá Solteira” estar presente no trailer do longa-metragem.
Ainda assim, a melhor utilização de música em cena acontece nos primeiros minutos, quando a sinfonia de “Song of a New Race”, do maestro norte-americano William Grant Still, começa a tocar. O casal apenas caminha lado a lado, sem falas, enquanto a melodia preenche o ambiente – uma consonância que representa um movimento de esperança e identificação, no qual ambos lutam pelos mesmos ideais.
O Dia que te Conheci não é uma comédia romântica, mas sim uma comédia que, por “acaso”, é protagonizada por um casal. Uma história que une humor, afeto e banalidades, que nos faz querer apreciar a vida em sua humildade. Sendo felizes por simplesmente compartilhar uma cerveja, um desabafo ou um pão com presunto e queijo com as pessoas que tornam o nosso dia um pouco mais especial.
O longa-metragem venceu o Prêmio da Crítica de Melhor Filme Brasileiro na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo 2023 (Foto: Reprodução/ Malute Filmes)
Ficha Técnica:
Nome: O Dia que Te Conheci (2023)
Gênero: Romance, Comédia, Drama
Duração: 70 minutos
Distribuidora: Malute Filmes
Produção: Thiago Macedo Correia, André Novais Oliveira, Maurilio Martins e Gabriel Martins
Direção: André Novais Oliveira
Onde Assistir: Globoplay e YouTube