Moonlight: Sob a Luz do Luar (2016)

Cena do filme Moonlight: Sob a luz do luar. Na esquerda temos Kevin (André Holland), homem negro, cabelo black curto, com uma camiseta branca. Ao seu lado está Black (Trevante Rhodes), homem negro retinto, cabelo raspado, vestindo uma camiseta pret

Primeiro filme LGBTQIAPN+ e com elenco predominantemente negro a ganhar o Oscar de Melhor Filme (Foto: A24)

Ludmila Henrique

Em Moonlight: Sob a Luz do Luar (2016), longa-metragem dirigido por Barry Jenkins, acompanhamos o amadurecimento de Chiron, um menino negro, morador da periferia de Miami e homossexual. Seu roteiro é uma adaptação da peça In Moonlight Black Boys Look Blue, escrita por Tarell Alvin McCraney, que nunca teve a chance de chegar aos palcos dos teatros, mas que conquistou seu espaço nas telas de cinema. Dividido em três atos, o filme narra a história de uma criança negra, que cresceu com a revolta do mundo ao seu redor. 

Há filmes que contam uma história priorizando um texto bem roteirizado, outros na montagem do cenário e sua fotografia, e há aqueles que se destacam pela atuação envolvente de seus atores. Afirmo dizer que Moonlight (no original) é uma obra completa por conseguir equilibrar todos esses elementos. É difícil realizar uma análise completa do longa-metragem sem considerar cada aspecto de sua composição, da pré-produção à pós-produção, assim como a sua recepção pelo público e pela crítica especializada. Por isso, igualmente a sua estrutura, este texto será dividido em capítulos, na tentativa de englobar todos os pormenores da obra de maneira coesa. 

O ator Mahershala Ali conquistou a estatueta de Melhor Ator Coadjuvante no Oscar pela a sua atuação como Juan, se tornando o primeiro muçulmano a ganhar nessa categoria (Foto: A24)

A narrativa segue três estágios distintos de uma mesma vida. O primeiro é definido como Little (Alex R. Hibbert), a infância de Chiron. Como mencionado anteriormente, o longa-metragem é construído por um roteiro muito bem escrito e poético, mas essa história não poderia ser contada de maneira como foi sem considerar sua fotografia. A direção de fotografia, assinada por James Laxton, foi filmada de modo digital, alterando apenas a configuração da câmera para simular diferentes peliculas. 

O primeiro capítulo da trama foi gravado com a configuração de uma Fujifilm, que ressalta principalmente as tonalidades verdes e azuis. Essa escolha conversa diretamente com o olhar ingênuo do protagonista sobre o mundo, que ainda está descobrindo e conhecendo tudo pela ótica de uma criança. Após ser perseguido pelos colegas da escola por ser “diferente”, Little conhece Juan (Mahershala Ali), uma personalidade que desempenhará um papel importante na infância de Chiron, tornando-se um modelo de figura paterna para ele.

Com um orçamento baixíssimo, o filme completo foi gravado somente em 25 dias (Foto: A24)

O primeiro contato de Little com a sexualidade veio através de outras pessoas, dizendo a ele que ele era gay, mesmo sem que ele tivesse qualquer ideia do que isso realmente significava. Juan foi a única pessoa que o acolheu nessa fase, ensinando que, em algum momento da vida, é preciso decidir por conta própria quem você será, e que ninguém pode tomar essa decisão por você. Ainda assim, apesar de Little nutrir um carinho por Juan, esse sentimento é ambíguo, já que ele é o responsável por vender drogas para a sua mãe, Paula (Naomie Harris), que se tornou uma pessoa agressiva e abusiva com Little devido ao seu vício. 

Por ser gravado em Miami, uma cidade muito ensolarada, o filme é naturalmente bem iluminado. Para representar o sol intenso do local, James Laxton utiliza alto contraste para criar um jogo de luz e sombra na pele dos personagens, destacando a beleza da pele negra e evidenciando cada detalhe fácil através da tela.

Jharell Jerome ganhou o Emmy de Melhor Ator em Minissérie por sua atuação em Olhos que Condenam (2019), disponível na Netflix (Foto: A24)

Anos se passaram desde o primeiro ato e regressamos agora para Chiron (Ashton Sanders), marcando a adolescência do protagonista. Um momento de profunda introspecção e solidão do personagem, que perdeu recentemente uma parte importante de sua vida. Além disso, a situação com sua mãe e o bullying sofrido por ele também se intensificaram. 

Filmado com o efeito de uma AFGA, o longa-metragem perde a intensidade de suas cores, evidenciando esse lado mais melancólico da adolescência, que, por si só, é uma fase complicada. Se anteriormente a infância era associada ao verde e ao azul, agora as cenas destacam tonalidades mais pastéis, como branco e amarelo-claro. Ainda assim, é interessante observar esse jogo de cores do filme, sendo que a sua paleta de cores é muito bem definida e delimitada conforme Chiron amadure, mas uma cor que se repete nos três atos é o vermelho, utilizado como um ponto de destaque quando o diretor quer chamar a atenção para um ponto específico na tela. 

Durante a adolescência, aconteceu a primeira e única vez que Chiron teve contato íntimo com outro homem, seu amigo de infância Kevin (Jharell Jerome), que sempre esteve presente em momentos pontuais de sua vida. Após uma conversa sincera na praia, em que ambos se abriram verdadeiramente um para o outro, o luar pousou sobre eles e levou consigo todo o medo reprimido. Infelizmente, esse carinho se desfez nos dias que se seguiram, mudando toda a trajetória do protagonista. 

Os diferentes atores que interpretaram Chiron não se encontraram durante as filmagens, para que cada um pudesse seguir seu próprio estilo de atuação (Foto: A24)

Outra característica marcante da filmagem são os seus enquadramentos, focados principalmente no rosto dos atores. No segundo ato, especialmente, o cenário surge mais desfocado em comparação aos personagens. Esse modelo de enquadramento tem como proposta mostrar a cena pela perspectiva do protagonista e mostrar a maneira como ele vê aquele universo. 

No último capítulo, Black (Trevante Rhodes) está completamente irreconhecível. Agora adulto e fisicamente forte, ele assume o posto que anteriormente era designado a Juan. Essa decisão provavelmente pesou inúmeras vezes em sua memória - se pensarmos na trajetória vivenciada por sua mãe - mas que, infelizmente, foi o caminho que ele encontrou para conseguir sobreviver após sua passagem pela penitenciária. O início do ato final causa uma certa estranheza, já que Rhodes e Sanders interpretaram duas versões extremamente distintas de Chiron, um no momento mais frágil do personagem e o outro, de certa forma, mais “malvadão”. Nesse estágio, ele se assemelha muito à imagem de Juan, que provavelmente foi seu maior pilar durante os momentos difíceis, enquanto tentava reprimir o garoto sensível que foi um dia.

Barry Jenkins e James Laxton colaboraram novamente durante as gravações de Se a Rua Beale Falasse (2018), uma adaptação da obra literária do romancista James Baldwin (Foto: A24)

Pela configuração de uma Kodak, a iluminação ganha uma coloração quente e aconchegante, contrastando com o tom azulado dos momentos anteriores. Na noite em que Black recebe uma ligação de Kevin (André Holland), convidando-o para um jantar, essa luz passa a se intensificar. O reencontro entre eles é emocionante e um pouco engraçado, pois nenhum dos dois queria falar primeiro sobre o “elefante no meio da sala”. Quando o assunto finalmente vem à tona e Black demonstra certa culpa pelo o que ocorreu no passado, Kevin reage com afeto e compreensão, mostrando que nada aconteceu por acaso ou de maneira pecaminosa. E nesse instante, pela primeira vez, Black finalmente pode estar em paz consigo mesmo. 

Moonlight: Sob a Luz do Luar nasceu de um projeto pequeno que, inesperadamente, conquistou o mundo. É uma história que merece ser ouvida, pois representa uma geração de jovens que raramente foram vistos por uma tela de cinema. Seus prêmios foram unicamente o resultado de um trabalho bem feito, de maneira meticulosa e por uma equipe comprometida em fazer esse filme alcançar o lugar que alcançou. Moonlight é uma obra sobre infância e como os acontecimentos desse período moldam quem nós somos quando crescemos. São dores que podem nos conduzir por caminhos bons ou ruins, mas que jamais desaparecem totalmente. 

Ficha Técnica:

Nome: Moonlight - Sob a Luz do Luar (2016)

Gênero: Romance, Drama, Queer

Duração: 111 minutos

Distribuidora: A24

Produção: Dede Gardner, Jeremy Kleiner, Adele Romanski, Sarah Esberg, Tarell Alvin McCraney

Direção: Barry Jenkins

Onde Assistir: Amazon Prime Video